quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Entendendo o pêndulo


Só para ilustrar, quando os primeiros pilotos americanos começaram a abrir as pernas para o lado interno da curva até raspar os joelhos no asfalto, uma revista brasileira chegou a publicar que aquela postura tinha a função de freio aerodinâmico Como se fosse um flap de avião!!!
Outras teorias insanas diziam que o joelho tinha função de terceiro ponto de apoio: caso a moto derrapasse de frente o piloto poderia corrigir forçando o joelho contra o asfalto. Hã-hã! Tudo balela.
A postura do piloto tem a função de vencer a força que pretende jogar qualquer objeto para fora na curva. Todo corpo em movimento retilíneo uniforme tem a tendência de se manter na trajetória até que uma ação externa intervenha. Entra em cena mais uma velha lei de Newton, a inércia.
Mais do que a inércia, uma moto em movimento faz as rodas girarem e todo corpo circular em movimento produz a força ou efeito giroscópico que tende a manter esse corpo na trajetória original.
Para vencer a inércia e a força giroscópica da roda dianteira o piloto precisa brigar contra a Física. Durante a curva uma nova força age sobre a moto em direção oposta à da curva. É a força centrífuga que faz os objetos ficarem com essa mania ridícula de querer sair reto em vez de fazer a curva. É nessa hora que o piloto precisa jogar a massa do conjunto moto+piloto no sentido contrário da força centrífuga e leva esse esforço tão ao extremo que chega a sair de cima do banco da moto e apoiar-se quase apenas pela perna do lado externo da curva.
Como o piloto de moto tem essa possibilidade de usar sua massa para reverter a tendência de ser jogado para fora da curva ele aproveita e também faz com que a massa do conjunto se aproxime ao máximo do solo. Toda corpo tem um centro de massa (antes chamado de “centro de gravidade”). Pessoas têm centro de massa, as motos também têm, carros, bicicletas, skate, Kombi, barco, tudo tem centro de massa. Quando a moto está em linha reta ela fica em pé e o centro de massa da moto+piloto está, por exemplo, em um ponto imaginário a cerca de 80 cm do solo.
Quanto mais próximo do solo estiver o centro de massa, maior é a estabilidade do corpo em movimento. No momento da curva, a moto se inclina e se aproxima do solo, junto com o piloto, claro! Para aumentar ainda mais esse deslocamento da massa em direção ao chão, o piloto usa a perna e chega a raspar o joelho no asfalto em busca da máxima inclinação. Nessa posição, o ponto imaginário do centro de massa do conjunto moto+piloto estaria a 40 cm do solo, ou seja, metade da distância em relação da moto em pé!
Ah se fosse só isso! Pena que existe ainda outra força atuando sobre o conjunto. Uma força que está presente o tempo todo e não há como anulá-la: a gravidade! À medida que a moto sai do ponto de equilíbrio, na vertical, e começa a se aproximar do solo, é nítido o deslocamento sobre o eixo longitudinal e ao ficar, por exemplo, a 50º em relação ao solo a gravidade vai atuar com a descarada intenção de trazer tudo para o chão.
O papel do piloto é equilibrar todas essas forças que atuam sobre o conjunto: a gravidade que quer jogá-lo no chão, a força centrífuga que quer mandá-lo para fora da curva, o efeito giroscópico, que quer manter todo corpo circular em movimento sempre em linha reta e a aproximação do centro de massa em direção ao solo.
O que serve de consolo é saber que nada na moto é por acaso. O departamento de engenharia já desenvolveu a moto pensando nessa posição. Por isso as motos esportivas parecem tão instáveis quando estão em linha reta, mas são absurdamente estáveis durante a curva. Pensando em todas essas influências exercidas pela Física, os engenheiros sacaram que a resultante dessas forças recai exatamente sobre os pneus da moto. Por isso os pneus de moto são tão diferentes dos pneus de automóveis: a inclinação do carro nas curvas é desprezível e quase imperceptível. O pneu de moto foi feito para ser inclinado.
Daí a tamanha importância em verificar, manter e controlar os pneus das motos. Pneus gastos, mal calibrados, de medida diferente da original ou velhos comprometem todo trabalho feito para dar estabilidade à moto. Assim, basta confiar nos pneus que boa parte do sufoco estará resolvida.
E mais: o piloto usa o pêndulo também para calcular o quanto a moto está inclinada em relação ao solo. Se ele estiver tocando o joelho no asfalto com a perna muito aberta é sinal que a moto está pouco inclinada. Se ele quase não tem mais espaço para colocar a perna entre a moto e o asfalto é porque está muito inclinado. A forma como os sliders do macacão se desgastam também fornece informações ao piloto sobre a postura sobre a moto.
Viu? O pêndulo nada tem a ver com ser rápido ou lento. A velocidade em curva independe de encostar o joelho no asfalto. Basta aproximar o máximo possível. Tem pilotos que precisam trocar os sliders a cada corrida. Outros podem usar o mesmo par de slider durante todo final de semana. O australiano Casey Stoner quase nem encosta os joelhos no asfalto porque ele é baixinho e a Ducati é enorme. Já o Valentino Rossi é o contrário: ele é alto e quase encosta até os cotovelos nas curvas!
Uma coisa que me assusta muito é ver motociclistas raspando joelho no asfalto nas estradas. Se o piloto bater com o joelho em alguma irregularidade no piso, ou naqueles tachões com olho de gato, correrá o risco de ficar com a rótula enfiada no acetábulo!

Geraldo Tite Simões – especialista em segurança de motociclista. Contato: info@speedmaster.com.br

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